A FILHA DO POVO
I
Bellos arraiaes d'Almada ! Sois em noites estivas, quando não sopra com violencia a ventania do norte, o regosijo d'aquellas formosas filhas da margem esquerda do Tejo.
Formosas sim, que ainda as não vi tanto e em tão grande numero em outro algum logar !
E ali perpassam, á palida luz das lanternas festivaes, dezenas e dezenas d'ellas; todas moças, alegres, lindas e trajadas com simples e encantadora elegancia.
São reuniões aquellas, como de familia: todos se conhecem, faliam e traiam intimamente.
É vasto o salão, e sublima-lhe o tecto a abobada amplíssima do céo; ora escuro e recamado de estrellas rutilantes, ora azul e explendidamente illuminado pelo brilho suavíssimo da lua.
Amo os arraiaes d' Almada ! Gosto de ver todas aquellas raparigas, pavoneando-se ao mesmo tempo modestas e vaidosas, gosando do ar puríssimo da villa, embriagando-se no doce amor da juventude.
Pois não sabeis, lindas, que o mesmo solo, que tão descuidada mente pizaes, foi, ha mais de tres seculos e meio, scenario de amores tão puros como os vossos; porém mais ardentes e mais contrariados do que são por certo os que boje tendes.
Era por uma noite de lua cheia do mez de agosto de 1486.